Todos nós andámos
na escola. Todos nós temos ideias sobre como é que a escola deveria
ser e, muitas vezes, não é… Muita gente opina mas poucos são os que conhecem a realidade, pensando que por ter ouvido uma história contada por um aluno e generalizando ou porque em 1999 se construiu um bloco de salas novo, essa é a realidade. Eu estou na escola desde 1984 (façam
as contas): primeiro como aluno e depois, desde 2001, como professor.
Não tenho pretensões de escrever um tratado de pedagogia ou tão
pouco de política de gestão escolar, mas tendo um cadastro tão
longo na educação, tenho refletido sobre a escola, como ela é e
como considero que deveria ser.
Vou primeiro dedicar
alguns parágrafos aos professores, aqueles são muitas vezes tidos
como a coluna vertebral do sistema educativo.
No grande grupo dos
professores (daqueles que fui conhecendo ao longo da minha travessia)
há um pouco de tudo: bons, maus e uns quantos com molho vilão.
Conheço muitos trabalhadores, cumpridores e empenhados na sua
atuação junto dos alunos, mas também sei que existem muitos mais
que não fazem e que não deixam fazer. Já fui gozado e humilhado em
diversas ocasiões por trabalhar, por fazer muito mais do que me era
exigido, ou seja, tentei fazer parte dos professores que trabalham e
mostram que trabalham.
Com o tempo, no
entanto, fui escondendo o meu trabalho; passei a atrasar
propositadamente a entrega de relatórios e papéis até ao limite
dos prazos, muitas vezes “passei a bola” para outros que
glorifiquei como sendo mais capazes do que eu, enfim um três vírgula
zero por uma linha, para passar mais ou menos despercebido.
Nem sempre foi
possível isso, lembro-me de uma senhora que sendo chefe (professora
do quadro mas pouco) delegou em mim uma série de funções com a
justificação que eu tenho um dom! E ela baldava-se. E todos os
outros professores da equipa baldavam-se! Vida de contratado é dose…
O reverso da medalha
não é propriamente lá muito agradável: para um grande grupo de
professores que fui conhecendo, eu não tenho grande coisa a acrescentar
ao ensino; aliás, segundo eles, eu nunca deveria ter vindo para o
ensino, por um grande número de razões que só a mim dizem respeito
e, como este texto não é sobre esses assuntos, vou deixar esse
canto de cisne para outra altura.
Os professores
baldam-se a tudo um pouco e, às vezes, muito!
A primeira
responsabilidade de um professor é para com os seus alunos. Se um
profissional do ensino não cumpre com os seus alunos, então mais
vale sair do sistema!
Se isso acontecesse,
bem…
A palavra hecatombe usada para descrever o que sucederia, peca por defeito.
Tenho de fazer aqui
o mea culpa, pois, em diversas situações, eu apenas cumpri o
mínimo exigido, sem me preocupar se era o melhor para os alunos.
Gente que não
cumpre há em várias modalidades: os que não fazem ponto; os que
fazem às vezes (uma ficha, um powerpoint, um teste…); os
que fazem e que quando acham que já é de mais, preenchem um papel e
passam para outro… Nesta última categoria, eu incluo-me a mim próprio. Conheço uns quantos
que, em momentos de avaliação de desempenho, até se propuseram
para serem avaliados com “Excelente”! E obtiveram-no!
Para quem não sabe,
a Avaliação de Desempenho Docente é uma anedota.
O professor
auto-avalia o seu desempenho e, se estiver nas boas graças de quem
manda (coordenador de departamento, elemento do Conselho Executivo
responsável pela avaliação e/ou professores integrantes da
Comissão de Avaliação), é tudo muito bom; agora, se o professor
tiver alguma querela com alguém que manda…
Enquanto contratado
(há 17 anos…) tentei não levantar muitas ondas com quem manda.
Mais vale passar por tolo do que ser lixado por ser esperto. Já me
meti em encrencas desnecessariamente, mas, por uma razão ou por
outra, sempre fui escapando ao carrasco e salvei o pescoço.
É fundamental rever
a avaliação de desempenho dos docentes!
Os critérios de
avaliação são obtusos, quando se pretende aplicar os mesmos
critérios a um professor que é diretor de turma e a outro que não
é ou se exige a realização de visitas de estudo a professores de
Música e a professores de História. Para estes últimos nem sempre
será fácil mas para os de Música quais são as opções? Visitar a
filarmónica da terra? Ou o coro da igreja durante a missa?
É urgente avaliar o
estado do sistema educativo
Escolas existem um
pouco por todo o lado. E em que estado estão? Tenho circulado por
muitas escolas de várias ilhas, conheço umas quantas! E sei que por
muito más que sejam as condições, as pessoas amanham-se… Gente
acomodada é o grande problema desta sociedade, os “carneirinhos”
de que tanto gostam os políticos.
Falta um pouco de
tudo em todo o lado e, em muitos sítios, muito!
Cantinas, salas de
convívio, casas de banho, balneários, ginásios, mobiliário,
janelas, portas… até salas! Já agora, substituir os telhados que
ainda têm telhas com amianto, provavelmente era boa ideia pôr em
prática.
E o material
informático? E uma rede de internet que suporte o imenso tráfego
gerado por todos os equipamentos a ela ligados?
As escolas não têm
as condições exigidas para o desenvolvimento de atividades no
século XXI!
A sociedade mudou. A
escola ainda está no século XIX...
O ano letivo devia
estar dividido em dois semestres!
Acabava-se logo com
essa bandalheira da avaliação contínua e do três mais três já
não pode dar dois no final do ano! Os alunos têm de cumprir o ano
todo e não apenas para levantar negativas.
O 2º ciclo não faz
sentido atualmente!
No 1º ciclo os
alunos têm 4 ou cinco professores diferentes (o titular, responsável
por Português, Matemática e Estudo do Meio, o professor de Inglês,
o professor de Educação Física e o de Música, pelo menos), não
pode servir de justificação a existência de um ciclo porque os
alunos passam de ter apenas um professor para terem muitos.
Os ciclos têm de
ser reorganizados!
O Jardim de Infância
é fundamental para o desenvolvimento da criança, tem de ser
contabilizado com um ciclo, com objetivos claros e com metas a
atingir. Se acaba aos 5 ou aos 6 anos (ou aos 7 ou aos 8…) têm de
ser os especialistas da área a pronunciar-se. Sim, há especialistas
em pedagogia e desenvolvimento para crianças até aos 5 anos!
Os outros ciclos têm
de ser reformulados: dois ciclos de 6 anos, três ciclos de 4 anos,
um ciclo de 5, um ciclo de 4 e um ciclo de 3 anos. Como acharem
melhor os especialistas!
Os exames finais do
ensino secundário têm de passar para a alçada das universidades e
dos seus professores!
Os exames do ensino
secundário servem para classificar os alunos no acesso ao ensino
superior, então, terão de ser os professores do ensino superior a
elaborá-los e a corrigi-los.
Fazem falta nas
escolas psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros….
A escola não é só
para professores e contínuos (já agora, há muito tempo que se
deixou de lhes chamar contínuos; passou-se a chamar-lhes
“auxiliares” mas a designação mais acertada será “assistente
operacional”). Os alunos precisam de outro tipo de apoio que os
professores e os funcionários não conseguem dar. São precisos com
urgência mais psicólogos, daqueles clínicos mesmo! São precisos
enfermeiros, para observar e avaliar certas situações em que os
professores não podem emitir parecer. São precisos assistentes
sociais para fazer a ligação com as famílias, trazer os
encarregados de educação à escola ou ir a casa dos alunos! Se
estes profissionais estiverem disponíveis também para professores e
funcionários, melhor! Há muito adulto na escola a trabalhar a
precisar de ajuda, tanto ou mais do que os alunos...
Não se pode
legislar o bom senso. Pode-se martelar bom senso nas cabeças dos
idiotas que mandam? Como?
(pormenor da) Pintura de Pieter Bruegel - "O triunfo da morte"